Eu sei que vocês já conhecem o meu "Mozart de Bratislava".
Eu o conheci em um dia muito triste e ele me ajudou a enfrentar aquele momento difícil.
Mas meus encontros com os mestres da música não pararam.
Dia desses encontrei Bach no metrô. Na verdade, Johann Sebastian.
Eu estava voltando do meu estágio quando o encontrei.
Quem me conhece sabe que eu tenho a enorme habilidade de atrair pessoas excêntricas.
Além disso, ao contrário do que aconselha a segurança pública, adoro conversar com estranhos. Já relatei vários desses encontros aqui e eles continuam acontecendo cotidianamente, mas nem sempre tenho tempo de escrever.
Com o Bach não foi diferente. Eu não estava lá muito disposta a conversar com estranhos naquele dia.
Estava lendo um livro de psicologia (mas vejam só!) que uma colega do trabalho me emprestou e não queria dar atenção a ninguém, mas acho que o magnetismo de relacionar-me com os outros sempre é mais forte.
Entrei no vagão cheio, parei em pé ao lado da porta e continuei a ler meu livro. Um rapaz aparentemente tímido, com óculos redondos, me perguntou se eu queria que ele carregasse minha mochila (se isso lhe soa estranho, é algo bem corriqueiro em BH a pessoa que está sentada em transportes públicos se oferecer para levar as coisas de quem está em pé). Deixei que ele carregasse e vi que ele continuava me olhando, mas estava tão imersa na leitura que não dei muita atenção, só lembrei das minhas amigas que vivem dizendo: "Amanda, você tem ímã pra maluco" (e tenho mesmo).
Não tardou muito pra ele puxar conversa:
"- O que você está lendo?"
Olhei pra capa fingindo buscar o nome do livro e respondi, sem tirar os olhos do livro, querendo por fim ao assunto:
- Um livro de Psicologia.
Foi a deixa perfeita pra continuar o assunto:
"- Ah, você faz Psicologia?".
Pensei: "Não, mas pelas pessoas que atraio, tô achando que devia fazer".Acabei respondendo:
-Não, mas trabalho em um local que é bom saber um pouco.
"Ah, tá. E sobre o quê fala o livro?".
Pronto. Estava claro que eu não poderia continuar lendo o livro.
Decidi dar atenção ao rapaz. Notei que ele era diferente, por causa do jeito que me olhava e falava.
Pensei se não devia seguir os conselhos de não falar com estranhos. (Aliás, ganhei uma cantada dentro do sacolão essa semana - o que não acontece na fila do McDonalds- e respondi exatamente assim: "Não falo com estranhos"). Mas esse rapaz era diferente. Seu olhar era de criança e sua vontade de conversar me pareceu inocente. A essa altura, as pessoas a volta já tinha decidido prestar atenção na conversa da moça que falava com o estranho.
Falei: "- O livro mistura um pouco de psicologia com mitologia".
"- Nossa! Eu adoro mitologia! De qual mitologia fala?"
-Eu não sei...É sobre uma lenda de um cara chamado Persifal.
"-Ah tá.. Eu conheço tudo de mitologia. Tenho todos os livros na minha casa: Grega, romana, persa, celta."
-Poxa, que bacana, hein?
"- Em qual estação você vai descer?"
"Amanda, pare de falar com estranhos", veio à minha mente de novo. Respondi meio que entre os dentes, sentindo que todas as pessoas à minha volta recomendavam que eu não falasse e já comecei a bolar um plano de fuga:
- Na José Cândido.
"-Ah, é a minha também!".
Pronto. Eu estava em apuros. Mas algo dentro de mim falava algo que eu venho aprendendo de várias maneiras: temos que reaprender a sermos humanos.
Fixar os olhos em uma tela de celular dentro do metrô me livraria do risco de ser surpreendida, mas será que não estamos acabando com as relações humanas fazendo isso? Olhei pro rapaz de novo e ele não parecia um inimigo a ser evitado. Olhei para as pessoas à minha volta e elas também não pareciam inimigas. Por que é que temos agido assim?!Será exclusivamente por causa da violência que assola nosso país? Ou será que estamos nos "desumanizando" ao nos fechar para qualquer pessoa que não esteja no nosso mundo?
Cada vez mais eu acho que esta segunda opção é a mais verdadeira. Temos dialogado cada vez menos com o mundo à nossa volta. Eu não sou totalmente inocente deste crime, mas às vezes fico reparando as pessoas em cada ambiente que frequento, e todas estão olhando para baixo, para uma tela de celular. Todas imersas em seus próprios mundos, querendo serem vistas, mas não vendo ninguém.
Voltando ao meu novo amigo, decidi conversar com ele.
Ele me perguntou : "- Como você se chama?"
- Amanda, e você?
"- Johann".
- Prazer, Johann. Seu nome vem do holandês, né?
"- Mais ou menos. Vem do alemão".
- Ah, tá.. É porque eu tenho um conhecido que se chama Johann e ele é holandês.
"-Sério?! Você conhece mais alguém com esse nome? Como escreve o nome dele?"
Soletrei: - Acho que é J-O-H-A-N-N.
Ele, com o semblante maravilhado:
"- Nossa!! Igual ao meu! Nunca conheci alguém com esse nome e você conhece alguém que se escreve igual ao meu!".
Comecei a rir com ele. Nunca imaginei que alguém ficaria tão feliz por eu conhecer outra pessoa com o seu nome.
Daí o papo se desenrolou por outros assuntos, até que voltamos ao nome:
"- Na verdade, eu me chamo Johann Sebastian".
Respondi com toda naturalidade:
- Ah, que legal! Igual o nome daquele compositor, Bach, né?! Acho que o nome dele era Johann Sebastian Bach. Você conhece?
O olhar dele estava transformado. Os olhos brilhavam e me olhavam maravilhados:
"- Você conhece Bach?"
- Claro que sim. É um dos meus compositores favoritos.
"- Nossa, você acaba de mudar minha vida. Primeiro você conhece alguém com o mesmo nome que eu e depois ainda sabe quem é Bach. Ninguém nunca sabe disso!".
Comecei a rir de novo, por causa da felicidade dele. Ele acrescentou:
"- Tenho todos os vinis na minha casa. Todos mesmo. Também tenho Vivaldi, Mozart e Beethoven".
- Poxa, que bacana. Deve ser legal ouvir esses clássicos em vinil.
A conversa continuou tratando sobre o nome, o inspirador do nome e como o pai o escolheu. Ele disse que o pai não sabia nada sobre Bach, mas gostava muito de música clássica. Quando a mãe estava grávida, o pai perguntou a um tio qual a história daquele compositor. Gostou do que ouviu e deu os dois primeiros nomes ao seu filho. Johann disse que não gostava do nome quando era mais novo e eu o lembrei que era melhor "Johann Sebastian" do que "Wolfgang Amadeus" ou "Ludwig". Ele deu risada e disse que concordava, por isso não se importava mais.
Continuamos conversando até sair da estação. Acabei tendo que correr para pegar o ônibus, mas foi um papo extremamente interessante sobre música, ritmos e compositores. Ele realmente se interessava sobre o assunto.
Fui embora sem me lembrar dos pensamentos persecutórios de minutos atrás. Lembrei do quanto é bom levantar a cabeça de vez em quando e interagir com as pessoas, mesmo que não as conheçamos. Lembrei do olhar do Johann e de como ele se sentiu importante por uma estranha saber como se escreve e qual a origem do nome dele.
Não estou incentivando ninguém a sair por aí perguntando a estranhos se querem conversar (apesar de ter conhecido uma pessoa que faz isso). Infelizmente, nem todo mundo tem o coração igual o do Johann, como o inconveniente do sacolão, que me perguntou o que eu estava fazendo ali (quase respondi: "comprando sapatos"). Só gostaria de lembrar que ao nosso lado no ônibus, na fila do banco, dentro do metrô, nos bancos das igrejas, na sala de espera do médico... qualquer lugar que seja, existem pessoas e pessoas são seres humanos, assim como nós também somos. É redundante dizer isso? Talvez não nos nossos dias. Não sou nenhum grande exemplo de perfeição nas relações, mas tenho muitas histórias pra contar de gente linda que conheci nos lugares mais inesperados. Que você não deixe passar essas oportunidades aonde quer que esteja, mesmo agora, se estiver lendo este blog em um local público.
Como diz o vídeo do Gary Turk: Olhe para cima!
Eu o conheci em um dia muito triste e ele me ajudou a enfrentar aquele momento difícil.
Mas meus encontros com os mestres da música não pararam.
Dia desses encontrei Bach no metrô. Na verdade, Johann Sebastian.
Eu estava voltando do meu estágio quando o encontrei.
Quem me conhece sabe que eu tenho a enorme habilidade de atrair pessoas excêntricas.
Além disso, ao contrário do que aconselha a segurança pública, adoro conversar com estranhos. Já relatei vários desses encontros aqui e eles continuam acontecendo cotidianamente, mas nem sempre tenho tempo de escrever.
Com o Bach não foi diferente. Eu não estava lá muito disposta a conversar com estranhos naquele dia.
Estava lendo um livro de psicologia (mas vejam só!) que uma colega do trabalho me emprestou e não queria dar atenção a ninguém, mas acho que o magnetismo de relacionar-me com os outros sempre é mais forte.
Entrei no vagão cheio, parei em pé ao lado da porta e continuei a ler meu livro. Um rapaz aparentemente tímido, com óculos redondos, me perguntou se eu queria que ele carregasse minha mochila (se isso lhe soa estranho, é algo bem corriqueiro em BH a pessoa que está sentada em transportes públicos se oferecer para levar as coisas de quem está em pé). Deixei que ele carregasse e vi que ele continuava me olhando, mas estava tão imersa na leitura que não dei muita atenção, só lembrei das minhas amigas que vivem dizendo: "Amanda, você tem ímã pra maluco" (e tenho mesmo).
Não tardou muito pra ele puxar conversa:
"- O que você está lendo?"
Olhei pra capa fingindo buscar o nome do livro e respondi, sem tirar os olhos do livro, querendo por fim ao assunto:
- Um livro de Psicologia.
Foi a deixa perfeita pra continuar o assunto:
"- Ah, você faz Psicologia?".
Pensei: "Não, mas pelas pessoas que atraio, tô achando que devia fazer".Acabei respondendo:
-Não, mas trabalho em um local que é bom saber um pouco.
"Ah, tá. E sobre o quê fala o livro?".
Pronto. Estava claro que eu não poderia continuar lendo o livro.
Decidi dar atenção ao rapaz. Notei que ele era diferente, por causa do jeito que me olhava e falava.
Pensei se não devia seguir os conselhos de não falar com estranhos. (Aliás, ganhei uma cantada dentro do sacolão essa semana - o que não acontece na fila do McDonalds- e respondi exatamente assim: "Não falo com estranhos"). Mas esse rapaz era diferente. Seu olhar era de criança e sua vontade de conversar me pareceu inocente. A essa altura, as pessoas a volta já tinha decidido prestar atenção na conversa da moça que falava com o estranho.
Falei: "- O livro mistura um pouco de psicologia com mitologia".
"- Nossa! Eu adoro mitologia! De qual mitologia fala?"
-Eu não sei...É sobre uma lenda de um cara chamado Persifal.
"-Ah tá.. Eu conheço tudo de mitologia. Tenho todos os livros na minha casa: Grega, romana, persa, celta."
-Poxa, que bacana, hein?
"- Em qual estação você vai descer?"
"Amanda, pare de falar com estranhos", veio à minha mente de novo. Respondi meio que entre os dentes, sentindo que todas as pessoas à minha volta recomendavam que eu não falasse e já comecei a bolar um plano de fuga:
- Na José Cândido.
"-Ah, é a minha também!".
Pronto. Eu estava em apuros. Mas algo dentro de mim falava algo que eu venho aprendendo de várias maneiras: temos que reaprender a sermos humanos.
Fixar os olhos em uma tela de celular dentro do metrô me livraria do risco de ser surpreendida, mas será que não estamos acabando com as relações humanas fazendo isso? Olhei pro rapaz de novo e ele não parecia um inimigo a ser evitado. Olhei para as pessoas à minha volta e elas também não pareciam inimigas. Por que é que temos agido assim?!Será exclusivamente por causa da violência que assola nosso país? Ou será que estamos nos "desumanizando" ao nos fechar para qualquer pessoa que não esteja no nosso mundo?
Cada vez mais eu acho que esta segunda opção é a mais verdadeira. Temos dialogado cada vez menos com o mundo à nossa volta. Eu não sou totalmente inocente deste crime, mas às vezes fico reparando as pessoas em cada ambiente que frequento, e todas estão olhando para baixo, para uma tela de celular. Todas imersas em seus próprios mundos, querendo serem vistas, mas não vendo ninguém.
Voltando ao meu novo amigo, decidi conversar com ele.
Ele me perguntou : "- Como você se chama?"
- Amanda, e você?
"- Johann".
- Prazer, Johann. Seu nome vem do holandês, né?
"- Mais ou menos. Vem do alemão".
- Ah, tá.. É porque eu tenho um conhecido que se chama Johann e ele é holandês.
"-Sério?! Você conhece mais alguém com esse nome? Como escreve o nome dele?"
Soletrei: - Acho que é J-O-H-A-N-N.
Ele, com o semblante maravilhado:
"- Nossa!! Igual ao meu! Nunca conheci alguém com esse nome e você conhece alguém que se escreve igual ao meu!".
Comecei a rir com ele. Nunca imaginei que alguém ficaria tão feliz por eu conhecer outra pessoa com o seu nome.
Daí o papo se desenrolou por outros assuntos, até que voltamos ao nome:
"- Na verdade, eu me chamo Johann Sebastian".
Respondi com toda naturalidade:
- Ah, que legal! Igual o nome daquele compositor, Bach, né?! Acho que o nome dele era Johann Sebastian Bach. Você conhece?
O olhar dele estava transformado. Os olhos brilhavam e me olhavam maravilhados:
"- Você conhece Bach?"
- Claro que sim. É um dos meus compositores favoritos.
"- Nossa, você acaba de mudar minha vida. Primeiro você conhece alguém com o mesmo nome que eu e depois ainda sabe quem é Bach. Ninguém nunca sabe disso!".
Comecei a rir de novo, por causa da felicidade dele. Ele acrescentou:
"- Tenho todos os vinis na minha casa. Todos mesmo. Também tenho Vivaldi, Mozart e Beethoven".
- Poxa, que bacana. Deve ser legal ouvir esses clássicos em vinil.
A conversa continuou tratando sobre o nome, o inspirador do nome e como o pai o escolheu. Ele disse que o pai não sabia nada sobre Bach, mas gostava muito de música clássica. Quando a mãe estava grávida, o pai perguntou a um tio qual a história daquele compositor. Gostou do que ouviu e deu os dois primeiros nomes ao seu filho. Johann disse que não gostava do nome quando era mais novo e eu o lembrei que era melhor "Johann Sebastian" do que "Wolfgang Amadeus" ou "Ludwig". Ele deu risada e disse que concordava, por isso não se importava mais.
Continuamos conversando até sair da estação. Acabei tendo que correr para pegar o ônibus, mas foi um papo extremamente interessante sobre música, ritmos e compositores. Ele realmente se interessava sobre o assunto.
Fui embora sem me lembrar dos pensamentos persecutórios de minutos atrás. Lembrei do quanto é bom levantar a cabeça de vez em quando e interagir com as pessoas, mesmo que não as conheçamos. Lembrei do olhar do Johann e de como ele se sentiu importante por uma estranha saber como se escreve e qual a origem do nome dele.
Não estou incentivando ninguém a sair por aí perguntando a estranhos se querem conversar (apesar de ter conhecido uma pessoa que faz isso). Infelizmente, nem todo mundo tem o coração igual o do Johann, como o inconveniente do sacolão, que me perguntou o que eu estava fazendo ali (quase respondi: "comprando sapatos"). Só gostaria de lembrar que ao nosso lado no ônibus, na fila do banco, dentro do metrô, nos bancos das igrejas, na sala de espera do médico... qualquer lugar que seja, existem pessoas e pessoas são seres humanos, assim como nós também somos. É redundante dizer isso? Talvez não nos nossos dias. Não sou nenhum grande exemplo de perfeição nas relações, mas tenho muitas histórias pra contar de gente linda que conheci nos lugares mais inesperados. Que você não deixe passar essas oportunidades aonde quer que esteja, mesmo agora, se estiver lendo este blog em um local público.
Como diz o vídeo do Gary Turk: Olhe para cima!
Mais um texto incrível amiga!!! Parabéns!!!
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