GETULIO E EU

Toca o interfone. Ele já levanta as orelhas e abana o rabo, como quem diz "treta coming".
"- Quem é?" .
"-Amanda? Aqui é o técnico da Oi. Vim olhar sua internet".
"- Só um minutinho, por favor".
Olhei no fundo dos olhos dele e implorei: "Você NÃO vai dar show, você NÃO vai dar escândalo, você NÃO vai me fazer passar vergonha ok?".
Virou a cabeça como se dissesse: "Logo eu?".
Abri a porta e antes que eu pudesse respirar ele já tinha atravessado minhas pernas quase me derrubando e descido as escadas muito antes de mim. Decidi não lutar.
Desci e fui abrir pro moço, com ele pulando e fazendo voltas na garagem. Abri o portão e ele já mostrou pro homem quem tinha o domínio da situação. Pulou, cheirou, lambeu e como tá do tamanho de um bode, quase deu um beijo na boca do coitado.
"- Moço, desculpa".
Começou a humilhação. Subiu as escadas na minha frente. O moço entrou pra mexer no modem e eu deixei a porta aberta, por questão de segurança.
Moro no terceiro andar de um prédio de quatro andares.
Getúlio sobe as escadas pro quarto andar e desce pro primeiro uma vez. Getúlio sobe as escadas pro quarto andar e desce pro primeiro a segunda vez. Getúlio sobe as escadas pro quarto andar e desce pro primeiro andar a terceira vez. Num misto de humilhação e fúria, lembrei que o moço já estava no apartamento, fazendo o serviço. Voltei e deixei o meliante à própria sorte, torcendo pra algum vizinho decidir dar um fim nele.
Finalmente entra no apartamento, com a língua pra fora e me olha, dizendo: "- Trouxa".
Vai direto no moço. Se esconde atrás dele. O cachorro é tão sem caráter que se esconde até atrás de quem nunca viu quando sabe que fez cagada. Fica lá do lado do homem, lançando um olhar que diz: "Vem me pegar, vem".
Quando esquece do rancor plantado em mim, corre pra área de serviço. A vingança é um prato que se come frio, mas tente convencer uma mulher de cabeça quente disso. A briga rolou ali mesmo. Chinelo lançado, palavras duras, olhar desafiador.
Mostrei quem manda na bagaça e voltei pra sala, me dando conta de que não estávamos sozinhos .
O moço da Oi me olha com dó e sarcasmo, aparentemente discordando de mim sobre quem manda aqui.
Para o gran finale, o cachorro vai pro final do corredor, pega um impulso e volta galopando- GALOPANDO- pra sala. Foi demais pro moço. Caiu na risada, sob meu olhar atônito tentando entender o porquê e finalmente disse: "Moça, isso não é um cachorro. É um bezerro!". E continuou a rir sem parar.
O moço foi embora e eu fiquei aqui, com a dignidade lá no térreo do prédio.
Agora tá aqui, tentando pegar a bolinha que já tirei debaixo da cama umas sete vezes, só hoje. Nesse exato momento, me impediu de escrever o texto, jogando o corpo em cima de mim por eu não dar atenção ao pedido urgente dele.

Ele me humilha na frente da minha família. Ele me humilha na frente das visitas. Ele me faz ter que varrer a casa todo dia. Ele me obriga a pedir desculpas para os vizinhos, que por sinal, são os mais pacientes do mundo. Ele cresceu o dobro do tamanho que eu esperava que ele fosse ficar e é completamente desengonçado (dizem que cachorro puxa o dono).
Mas esses dias eu estava chorando e ele sentou do meu lado, bateu a pata na minha mão pra eu olhar pra ele e colocou a cabeça em cima do meu colo. Ele não sabe falar, mas sabe exatamente o que fazer.

Num mundo tão utilitarista, em que eu só desejo o que me traz felicidade facilmente, ter um cachorro imperfeito me faz lembrar o que realmente importa. Vontade de expulsa-lo de casa eu tenho quase todos os dias, mas não faço isso porque escolhi ama-lo e amor é isso, uma escolha, mesmo quando o outro não corresponde aos nossos quesitos de "amável". Não se joga fora o que a gente ama, mesmo quando a vida pode ficar mais fácil se a gente o fizer.

Jogou a bolinha embaixo da cama de novo. Coloquei ele pra fora do quarto. Agora tá correndo do sofá pro corredor sem parar, provavelmente causando um terremoto no apartamento debaixo. Vou ali evitar ser expulsa do prédio.

E assim prosseguimos

Comentários